Era início de 2024 e eu já estava ouvindo falar muito sobre inteligência artificial. Como disse Piaget, “toda mudança gera inquietação”. Eu andava inquieta com isso.
Um dia, na minha Escola, onde a filha menor do Tulio estuda — ou melhor, brinca —, ele veio buscá-la. Ela pediu que esperasse um pouquinho até terminar a brincadeira, e ele ficou sentado no hall. Da minha sala, que fica perto, ouvi que falava por áudios com alguém. Era uma conversa instigante: áudios para lá, áudios para cá. Numa pausa, não resisti e o convidei para um café. Perguntei: “Tulio, com quem você estava conversando sobre aquelas coisas tão interessantes que ouvi?” Ele respondeu: “Com o ChatGPT. Estou dialogando com a IA na construção do meu novo livro.”
Faço essa introdução para contar que o meu “alfabetizador” em IA foi o Tulio. Ele, como bom mestre, me tirou da zona de conforto, despertou ainda mais a minha curiosidade e, a partir das dicas dele, comecei a usar a IA. Lendo o livro, pensei naquela fase das crianças, quando começam a disparar os porquês. Nós, adultos, às vezes queremos que essa fase passe rápido, porque exige paciência e disponibilidade. E este livro é justamente sobre isso: sobre perguntar.
Perguntar para navegar em incertezas. Perguntar para movimentar o que está parado. Perguntar para provocar outras perguntas. Perguntar sabendo que boas perguntas exigem tempo e repertório.

Na orelha do livro, Tulio conta que perguntou ao ChatGPT, com base no histórico entre eles: “Como você me qualificaria, numa escala de 1 a 10?” A resposta foi nota 10 — justificada nos quesitos adequação, profundidade intelectual, construção textual e domínio de diferentes registros de linguagem.
Perguntei de onde vinha essa característica de ser tão perguntador e ter se tornado jornalista e escritor. Depois de uma pausa longa, ele disse: “Sou filho de pais curiosos.” Tulio foi moldando seu jeito de perguntar ao longo de mais de três décadas de entrevistas, leituras e experiências que ele descreve como grandes oportunidades da vida.
Hoje eu arriscaria dizer que, além de jornalista, consultor e palestrante, Tulio é um engenheiro das palavras, um criador de prompts e um grande contador de histórias. Este é um daqueles livros difíceis de largar: devorei em dois dias. Em certos trechos, parecia escutar a própria voz do autor, como quando narra sua entrevista com Vargas Llosa ou quando conta do livro lançado em 1974, do escritor chileno, Pablo Neruda, O Livro das Perguntas. Essa lembrança me fez ressignificar a importância de nunca abafarmos a curiosidade das crianças. Se o futuro depende das melhores perguntas, como podemos dizer a elas para pararem de perguntar?
Se o Google veio para responder, a IA está disponível 24 horas por dia para provocar novos olhares. Isso muda nossa relação com o conhecimento. Não basta criar um produto e esperar que as pessoas o encontrem. É preciso antes entender quem é o público, o que precisa, o que deseja. No fim das contas, a pergunta não é apenas “o que quero saber?”, mas também “o que estou entregando, e para quem?”
O livro também nos convida a pensar sobre a nova era das perguntas e exclamações, sobre emojis e até interrobangs. Será que no futuro as perguntas deixarão de precisar de pontos de interrogação — ou mesmo de palavras?
Na página 69, tive outra inquietação, dessas que surgem quando usamos IA: você busca algo, mas a resposta vem de onde menos espera. Isso ilumina não apenas o que queria saber, mas também algo que nem sabia precisar. É a serendipidade — a descoberta inesperada de algo extraordinário. Talvez esse seja um dos grandes encantos da IA.
Mas nem tudo são flores. Há também riscos, como as chamadas “alucinações” — respostas que parecem verdadeiras, mas não são. Como toda tecnologia, a IA abre possibilidades luminosas e sombrias, entre elas a desinformação e o mau uso de dados pessoais. A vacina, lembra Tulio, é sempre a verificação. E consola os mais temerosos: a IA está evoluindo, mas o papel humano continua essencial. Afinal, enquanto a IA busca fechar a questão, nós, humanos, convivemos com a dúvida — e, muitas vezes, é a dúvida que nos move.

O autor, como bom perguntador, propõe roteiros de perguntas antes de uma negociação, inclusive amorosa: como começar uma conversa ou como alcançar um acordo de trabalho mais justo.
Seria perguntar uma arte, uma ciência? Você já ouviu falar em IEP? Já descobriu o seu? Eu fiz o teste e adorei a experiência. Mas, como disse Jorge Gerdau Johannpeter a Tulio, em outras palavras: não dá para se achar pronto. Independentemente da pontuação, sempre há espaço para crescer.
Na era dos excessos, Tulio traz um refresco: às vezes, o menos é mais. Queremos controlar tudo, como se isso fosse garantia de felicidade. Mas será?
Em outro momento, ele lembra o I Ching, o Livro das Mutações, que conheceu em Pequim em 2008. Diferente de prever o futuro, esse oráculo ensina a enxergar padrões e transformações. Nesse contexto, a pergunta não é um pedido de resposta, mas um convite à interpretação.
Puxando para o meu campo, a educação, adorei quando Tulio relembra sua entrevista com Michael Sandel, professor da Universidade de Harvard. Sandel conduz um dos cursos mais populares do mundo sobre justiça. Ao ser perguntado por Tulio por que dava aulas fazendo perguntas, em vez de apenas afirmar, respondeu: “Faço isso porque acredito que é um caminho para convidar os estudantes a pensar no que acreditam e por que acreditam.”
Daí nasce uma reflexão potente: a alfabetização do futuro passa pela capacidade de formular perguntas significativas. Mais que sala de aula, isso envolve todos os que influenciam outras pessoas — pais, mães, educadores, líderes, profissionais.
Como disse Voltaire, lembrado por Tulio: “Não julgue um homem pelas respostas que ele dá, mas sim, pelas perguntas que faz.”
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